09/11/2017

Efeméride com recado - Rosário Breve n.º 529 in O RIBATEJO de 9 de Novembro de 2017 - www.oribatejo.pt







Efeméride com recado



1 Foi há quarenta anos. A 5 de Novembro de 1977, vi publicado, pela vez primeira na vida, um texto meu. E logo no suplemento literário infanto-juvenil de um jornal de âmbito nacional. Eu tinha treze anos – e o senhor meu Pai era comprador e leitor quotidiano de dois diários nacionais, nesses anos em que o 25 de Abril ainda era uma data relevante. Era também a época de leitura & análise integral de obras portuguesas logo nos 7.º e 8.º anos de escolaridade. Fui abençoado por duas delas: Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, e Seara de Vento, de Manuel da Fonseca. Notareis facilmente certos resquícios neo-realistas no tal meu primeiro texto em letra-de-imprensa. O título é algo Vivaldiano, mas não vos equivoqueis: a coisa era mesmo de ter lido e amado o meu Soeiro e o meu Fonseca. Eis, pois, o dito:

2 AS QUATRO ESTAÇÕES
Quando chegou a Primavera / transbordou vida nos campos e nos / olhos dos homens. Houve até quem / dormisse por entre madressilvas / congeminando formas de melhorar / a vida. //
E no Verão, quando o sol ardente / lambeu os corpos e tornou mais / difícil o trabalho aos aldeões, os miúdos / assaltaram o rio, buscando / na frescura das águas aventura e / desporto.
Chegou o Outono. As folhas das árvores caem como / lágrimas que largam o que foi / a sua companhia. E a poesia dos homens / morre com o enterrar das enxadas / na terra de sempre. //
Mas cai o Inverno, e não transborda agora / vida nos olhos dos homens, nem os garotos / procuram aventura. A chuva / encharca a terra e alaga a alma / aos homens. Afoga-se na taberna / o desejo de progresso. / Terras de sempre. //

3 Pessoal, atenção & cuidado: esta evocação nada tem de auto-adoração. Nada disso. Tem outro intuito. E o outro intuito é este: mandar recado a um dos 21 presidentes de câmara eleitos no 1.º de Outubro recente. Recado: Senhor Presidente, não acho que o senhor saiba quem foram Soeiro Pereira Gomes e Manuel da Fonseca. Senhor Presidente, acho que V.ª Excelência nem lê as minhas crónicas neste Jornal (embora eu tenha a certeza de que a seus augustos pavilhões auditivos são sopradas as partes-gagas das ditas crónicas a seu respeito.) Ainda assim, Senhor Presidente, há duas outras obras cuja leitura talvez melhorasse o que o senhor (des)faz à & da sua terra. Essas obras são: Dinossauro Excelentíssimo, do português José Cardoso Pires, e O Outono do Patriarca, do colombiano Gabriel García Márquez.
Se não tiver pachorra para lê-las de fio a pavio (até porque nenhuma delas tem bonecos), vá o Senhor Presidente ao Google à cata de resumos fáceis dessas magníficas narrativas. Ou então, em generosa contraproposta minha, não ligue nada nem a mim nem a livros. Aproveite antes o tempo do seu mandato para fazer com que o território a seu (in)feliz (co)mando se não torne, sabe o Senhor em quê? “na terra de sempre”.


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Canzoada Assaltante